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78% dos jovens da Copinha deixam esporte ou têm valor de mercado abaixo da Série D

A análise mostra que 40,6% dos jogadores têm valor de mercado inferior à média dos elencos dos clubes da Série D

Publicada em 25/01/2024 às 12:05h

por Redação


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78% dos jovens da Copinha deixam esporte ou têm valor de mercado abaixo da Série D
Taça da Copinha  (Foto: Rodrigo Corsi / FPF-SP)

A cada Casemiro que surge em uma Copa São Paulo de Futebol Júnior, 1.500 jogadores que vivem seus poucos minutos de glória na TV deixam o futebol ou ganham salários da última divisão nacional.

Carlos Henrique Casemiro, atual Manchester United e capitão da seleção brasileira, estreou na Copa São Paulo de Futebol Júnior, a Copinha, maior vitrine dos jovens futebolistas, em 2010. Venceu aquela edição jogando pelo São Paulo, aos 17. O episódio ajudou a catapultar sua destacada carreira internacional.

No mesmo ano, outro Casimiro, o Leonardo, não passou da fase de grupos. Pelo Operário (MS), ganhou do CSA e empatou com o Avaí, mas deu azar de pegar o São Paulo na chave, para o qual perdeu. A Copinha desse Casimiro não foi o trampolim para a fama, mas seu "tiro final", como diz. Aos 19, ele voltou para a casa, em Rondônia, e deixou no passado a adolescência dedicada ao esporte.

No YouTube, ao som de “I Gotta Feeling”, há uma seleção de seus melhores momentos da Copinha 2010 e de outros torneios –prática comum entre vários juniores que precisavam fazer DVDs para apresentar seus trabalhos a empresários. Abaixo, o DVD de sua carreira:

Na verdade, Leonardo Casimiro nem era do Operário sul-mato-grossense, mas de um time do interior paulista, assim como outros colegas, segundo ele. “O clube não conseguiu a vaga para disputar aquela Copinha, então empresários, digamos, foram para Mato Grosso do Sul e adquiriram a vaga do Operário”, afirma, acrescentando que era um prática comum, que atendia a interesses de bicheiros a investidores.

Procurado, o Operário enviou uma nota afirmando que a atual gestão "tem implementado uma gestão exemplar e dedicada à reestruturação, em contraste com as práticas anteriores, que quase levaram [o time] à falência". Segundo o clube, a realidade da gestão anterior “era preocupante, com completa ausência de documentação”. “Devido a essa lacuna, não temos a capacidade de negar ou confirmar informações pertinentes de antes de setembro de 2014.”

A Federação Paulista de Futebol não respondeu à reportagem até a publicação do texto.
Jogando desde a infância em escolinhas de futebol, Leonardo Casimiro decidiu na derrota da Copinha que era hora de parar.

“Claro que existe uma ‘bad’ gigantesca, você fica cinco anos tentando fazer um negócio e volta para casa com o rabo entre as pernas. É ruim, é horrível, mas minha mãe sempre me mostrou o lado positivo. ‘Pensa que valeu a experiência, você saiu de casa, trabalhou sozinho, amadureceu, viveu perrengues que pessoas da tua idade não vivem’.”

Formou-se em agronomia (a reportagem o localizou na internet por meio de um estudo de sua autoria sobre agroindústria de filé de tilápia) e hoje é executivo de uma multinacional americana de agronegócio no interior de Mato Grosso do Sul.

Há quase seis décadas, meninos de várias cidades do país viajam em janeiro para São Paulo para tentar o sonho de uma vaga de destaque no “país do futebol” (uma marca arranhada desde o 7x1, mas ainda uma marca). A maioria, vinda de classes sociais mais baixas, deposita nesse torneio a expectativa de se profissionalizar.

Disputada desde 1969, com um número crescente de participantes –a primeira edição teve quatro clubes, enquanto a atual conta com 128 e cerca de 3.000 atletas de 16 a 21 anos–, a disputa permite que os jovens aspirantes apareçam no cenário nacional, frente a dezenas de olheiros, investidores estrangeiros e transmissões de TV. É inevitável que essa visibilidade fique mais condicionada à tradição de cada time.

Os times da Copinha acabam representando bem mais uma espécie de estoque de mão de obra para séries inferiores do que uma vitrine na qual todos têm as mesmas  chances.

Entre os jogadores que disputam a Copinha por times da Série A, caso do Casemiro do São Paulo, apenas 7% seguem tendo valor de mercado no nível das equipes da primeira divisão brasileira ou acima (grandes ligas europeias, por exemplo). Já entre os atletas que jogaram o torneio de base por equipes sem divisão, caso do Casimiro de Rondônia, só 0,5% alcança esse nível.

Os times do Sudeste, com mais investimentos, geram mais estrelas.

"A Copinha é o ‘Tindão’ [referência ao Tinder] do futebol de base. Está todo o mundo ali querendo pegar jogador e levar para os times de fora", diz Casimiro.

A reportagem analisou o percurso de 1.925 jogadores da Copinha de 2010 até hoje para entender como a competição impulsionou (ou não) suas carreiras. Ouviu as histórias das promessas que não vingaram, que representam a maioria. Os 14 anos que separam aquele torneio dos Casemiros até hoje ilustram o período de ascensão e declínio de uma trajetória profissional, como num “Boyhood” da bola.

Com no máximo 19 anos, a leva de 2010 é da geração de Neymar (embora este tenha jogado mais cedo, em 2008 e 2009, graças a suas habilidades precoces). Hoje, eles têm de 30 a 33 anos e começam a entrar na reta final.

Daquela turma de 2010, 2,6% chegaram ao máximo do estrelato ou, ao menos, a uma carreira muito bem-sucedida.

Considerando o valor de mercado, que é por quanto eles podem ser negociados –uma métrica mais acessível para aferir a realidade do mercado do que o salário–, cinco jogadores (0,25%) tornaram-se astros: Casemiro (ex-Real Madrid e hoje Manchester United, vendido por 60 milhões de euros, segundo a imprensa inglesa), Lucas Moura (ex-PSG e Tottenham, hoje no São Paulo), Roberto Firmino (ex-Liverpool e atualmente na Arábia Saudita), Felipe Anderson (um dos 20 maiores goleadores da história da Lazio) e Alisson (titular do Liverpool há seis temporadas).

Todos eles têm valor de mercado compatível com os elencos dos dois maiores times das cinco mais importantes ligas europeias.
Outros seis atletas (0,3%) alçaram o valor dos times das principais ligas da Europa –mas não os maiores clubes: Bernard, Alex Telles, Dudu, Fernando, Jemerson e João Pedro.

Ainda na elite, 17 jogadores (0,86%) valem ou valeram o equivalente ou mais do que a média dos cinco times mais valiosos da série A do Campeonato Brasileiro (como Dodô, Ramiro, Alan Patrick e Rodrigo Caio) e 23 (1,16%) valem a média geral dessa divisão (Bressan, Nikão, Regis, Elber, Gabriel, entre outros).

A Copinha gerou, ainda, profissionais com reconhecimento e valor no cenário nacional, mas em um patamar abaixo da elite: 5,36% (106 jogadores) conseguiram valer ao menos a média de um jogador da Série B. Outros 14,5%  têm valor médio ou superior à Série D, ainda vivem de futebol, mas em times menos conhecidos.

A metodologia completa elaborada pela reportagem para dividir os jogadores está no fim da reportagem. A reportagem optou por analisar valores de mercado mas o Como o valor de mercado tem elementos subjetivos e qualitativos, a reportagem optou por dividir os jogadores em oito níveis, assim, os analisa por ordem de grandeza.

Esses dados mostram que, abaixo da elite, ainda é possível viver do futebol: sem fama, com perrengue, mas nas classes média ou média alta. O atacante Wenderson da Silva Soares, conhecido como Maranhão, é o jogador profissional oriundo da Copinha de 2010 que mais trocou de clube, um total de 31 vezes. Hoje, aos 31, defende o Independente, do Amapá.

Ele iniciou nas categorias de base do Cruzeiro, pelo qual jogou a Copa São Paulo de 2010 ao lado do palmeirense Dudu, 32, até 2023 o jogador mais bem pago no Brasil, com R$ 2 milhões por mês.

Dudu carrega o maior número de títulos na história do Palmeiras, ao lado de Ademir da Guia, cada um com 12 troféus. Já Maranhão é um andarilho dos campos, sempre no caminho de um gramado mais verde.

“As mudanças de clube sempre foram para ter mais jogos, mais competições para jogar, melhores salários”, diz. No auge de sua carreira, jogou pelo América-MG, em 2016. “Ganhava R$ 30 mil por mês” –o equivalente a 59 salários mínimos, muito mais do que a média do país, com 7 em cada 10 pessoas vivendo com até dois salários mínimos, segundo o IBGE.

Foi por um período curto, no entanto, já que à época ele estava emprestado pelo Fortaleza e ficou menos de uma temporada no time mineiro. A partir daí, ele diz que fez “algumas escolhas que não foram ideais” que o afastaram de clubes e salários maiores.

"Eu sempre falo para a rapaziada mais jovem: você tem que se adaptar o mais rápido possível, porque no futebol é assim, a cada dia você joga em um lugar", diz Maranhão. 

Um relatório de 2016 da CBF, com base no ganho médio dos atletas em 2015, indicou que 82,4% dos 28.203 jogadores no país ganhavam até R$ 1.000, pouco acima do salário mínimo da época, de R$ 788.

Segundo a entidade, 13,68% recebiam de R$ 1.000 a R$ 5.000, enquanto 0,40% faturava de R$ 50 mil a R$ 100 mil, e apenas 0,12% tinha vencimentos acima de R$ 200 mil mensais.

Maranhão hoje diz receber R$ 8.000 por mês –um valor baixo quando comparado aos R$ 2 milhões mensais embolsados por Dudu no Palmeiras em 2023, mas superior a mais de 70% da população. Para a realidade socioeconômica nacional, o andarilho está bem.

Com uma diferença importante: a longevidade da carreira. Maranhão está cansado do ritmo do futebol pela quantidade incessante de viagens. Por isso, estuda para trabalhar como gestor de atletas quando deixar os gramados, aos 35, conforme seus planos. “Chega uma hora que a gente tem que pensar nos nossos filhos. Jogando futebol a gente quase não se vê.”

A análise mostra que 40,6% dos jogadores têm valor de mercado inferior à média dos elencos dos clubes da Série D  ou simplesmente desistiram do futebol (36,9%). Somados, eles são a maioria, 77,5%.

Nesse último grupo, entre desistir ou “ser desistido”, está o gaúcho Carlos Alberto Gonsiorkiewicz Rigon, que jogou a Copinha aos 18 pelo Avaí. Ele jogou contra o Casimiro que estudou tilápias e, assim como ele, teve uma experiência curta, de apenas três jogos, suficiente para abandonar o esporte.

“Eu era consciente de que não era um jogador, digamos, top”, admite. “Mas também me desencantei porque tinha muita gente sem qualidade que jogava só porque tinha um bom empresário, enquanto amigos meus que realmente eram bons não se tornaram profissionais”, critica o ex-atacante.

Para Júnior Chávare, executivo de futebol com trabalhos nas categorias de base de Grêmio, São Paulo e Atlético-MG, além de observador técnico da Juventus (ITA), a pouca capacidade dos clubes para observar todos os jogadores pode prejudicar o devido filtro.

Ele considera o formato atual, com 128 times, “o mais democrático possível”, mas critica o processo de seleção dos atletas. “O problema não é a quantidade de clubes, é a capacidade de os observadores que estão vendo esses jogos conseguir descobrir os atletas para uma garimpagem rápida e objetiva para seus futuros clubes.”

Sem despertar o interesse de nenhum olheiro, Carlos Alberto seguiu a carreira acadêmica.

Hoje, aos 32, mora no Colorado (EUA), onde concluiu o doutorado com uma pesquisa sobre ervas daninhas. “A vida acadêmica é mais justa porque seu sucesso depende de você. Mesmo que esteja escondido em uma sala, estudando, sempre terá alguém observando.”

Como em qualquer esporte, a chance de sucesso individual não depende só de talento ou persistência. Kleverson Augusto Nora, 32, oriundo do Figueirense em 2010, abandonou os gramados um ano após se profissionalizar devido a uma lesão.

Gerente de contabilidade em uma empresa de Santa Catarina, o ex-meia integrou um elenco que contava com Roberto Firmino, atacante que defendeu a seleção brasileira na Copa do Mundo de 2018, jogou na Premier League, hoje atua no futebol saudita e chegou a valer 90 milhões de euros.

“O Firmino, na época chamado de Roberto Oliveira, foi exceção. Se pegarmos as categorias de base do Figueirense, pouquíssimos jogadores foram para o cenário nacional e o internacional”, diz Kleverson. Ele também jogou pela Chapecoense, mas somente por um ano. “Nesse período, sofri uma lesão no joelho, acabei desistindo do futebol e resolvi estudar.”

"No embalo, eu fiz cinco semestres de educação física até mudar para contabilidade. Sempre gostei mesmo de números, a Copinha acabou sendo um atraso [na formação]”, conta Kleverson.

Nem todos ficaram felizes com as escolhas impostas fora do estádio. O policial militar Igor Rafael Pedrassoli, 30, por exemplo, acredita que poderia ter tido uma carreira longeva como lateral direito se tivesse apoio do pai. A falta de suporte familiar também é característica recorrente, ainda mais quando não há um farto colchão financeiro para bancar eventuais fracassos.

Depois de disputar a Copinha pelo Vila Aurora, que não passou da fase de grupos em 2010, Pedrassoli foi convidado a jogar na Ferroviária, de Araraquara (SP). Ele foi companheiro de time de Vitor Bueno, que jogou pelo Athlético Paranaense no ano passado e teve passagens por São Paulo e Santos.

“Eles queriam que eu fosse de graça, e meus empresários não aceitaram.”

De volta a Ribeirão Preto, ainda pretendia manter-se no futebol, mas, quando completou 19 anos, seu pai tinha outros planos para ele. “Meus pais eram separados, eu morava com minha mãe, mas os dois sempre brigavam por causa do futebol. Ela me apoiava, mas ele insistia para eu começar a trabalhar logo. Dizia que eu tinha que ter uma profissão.”

Hoje ele gosta de ser policial, mas carrega a melancolia de quem não conseguiu cumprir o que sonhava. “Eu tinha potencial para isso, me faltou apoio.”

Em São Paulo, um soldado da PM de 2ª classe recebe R$ 2.033,27 por mês. Um sargento, cargo para o qual ele se capacita, ganha R$ 3.036,79.

Mais de 700 jogadores daquela Copinha saíram de campo: são motoristas de aplicativos, professores, pintores, acadêmicos, gerentes de banco, policiais, executivos. Alguns seguiram no futebol como árbitros ou preparadores físicos. Parte migrou para outros países. Outros perderam a vida precocemente por tiro, doença, acidente de carro ou de avião (incluindo a tragédia da Chapecoense, na qual morreram os “copinhas 2010” Arthur Brasiliano Maia e Dener Assunção Braz). Alguns foram presos, e outros não deixaram rastro profissional que permita localizá-los na internet. Todos tiveram –um pouco mais, um pouco menos– seus 90 minutos de fama no futebol.

METODOLOGIA DO LEVANTAMENTO

-  A reportagem reuniu as súmulas dos jogos da Copa São Paulo 2010 do site da Federação Paulista de Futebol
- Extraiu os nomes completos e os times dos jogadores das súmulas, excluindo atletas do time Al-Hilal da Arábia Saudita (o único estrangeiro)
- Acessou o BID (Boletim Informativo Diário) da CBF para obter todos os contratos dos jogadores
- Identificou os contratos dos jogadores no BID, buscando correspondências com os nomes completos e anos de nascimento permitidos para jogar na Copinha de 2010 (1991 a 1994); em casos de homônimos, priorizou o jogador cujos primeiros três contratos listavam o time jogado na Copinha
- Cruzou o nome e data de nascimento para localizar os jogadores nos sites Transfermarkt e O Gol, especializados em estatística de futebol
- Realizou buscas manuais para jogadores não identificados automaticamente
- Cruzou identificadores dos jogadores nas quatro fontes (Copa São Paulo, BID, Transfermarkt e O Gol)

A CARREIRA DOS JOGADORES:

- A reportagem anotou o início do vínculo com cada clube nos bancos de dados BID, Transfermarkt e O Gol, excluindo vínculos inferiores a 90 dias
- No BID, focou vínculos após os 23 anos, considerando a presença de contratos não profissionais anteriores
- Em casos de ausência de informações sobre rescisão no BID, registrou o fim do vínculo como a data de término do contrato ou início do contrato subsequente
- Em O Gol, que fornece dados por temporada e não por datas exatas, considerou o início do vínculo no começo da temporada
- Elaborou tabelas correlacionando os identificadores dos times entre os três bancos de dados
- Construiu tabela de consenso diária para cada jogador, anotando o time ao qual estavam vinculados de acordo com os diferentes bancos de dados.

VALOR DE MERCADO DOS JOGADORES AO LONGO DA CARREIRA:

A reportagem obteve o valor médio de mercado dos jogadores dos times em que cada jogador atuou, segundo o Transfermarkt, no qual usuários debatem a partir de dados quantitativos o valor de um atleta (quem determina os números finais são diretores regionais).

Na ausência de um valor anual, optou por uma média entre o valor anterior do jogador e o valor médio do time. Em caso de ausência total de valores de mercado, utilizou valor médio do time ao qual estavam vinculados.

Como o valor de mercado tem elementos subjetivos e qualitativos, a reportagem optou por dividir os jogadores em oito níveis, assim, os analisa por ordem de grandeza.

FolhaPress










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